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Helio Diniz

Capitalização mensal de juros: a “tese do duodécuplo”

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Capitalização mensal de juros: a “tese do duodécuplo”, as Súmulas 539 e 541 do STJ e a (in)correta interpretação do Recurso Especial Repetitivo nº 973.827/RS.

Por Hélio Ricardo Diniz Krebs – Membro Efetivo do IASC.

 

Ao julgar o REsp Repetitivo nº 973.827/RS[1], em 08/08/2012, o STJ firmou as seguintes teses:

(i) É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada;

(ii) A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.

Ocorre que, ao consignar, em ambas as teses, que a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa (a segunda tese ainda prevê que a pactuação seja de forma expressa e clara), o v. acórdão do REsp nº 973.827/RS, talvez por excesso de zelo, acabou induzindo em erro muitos operadores do direito e fez com que diversos tribunais pátrios partissem de premissas equivocadas ao interpretar referidas teses.

Explica-se. Bastaria o enunciado da primeira tese (i) para se chegar à conclusão de que a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa. Como já dito, o fato de tal assertiva constar na segunda tese (ii) se deu, muito provavelmente, por excesso de zelo do STJ.

Com efeito, a segunda tese (ii) apenas permitiu que se cobre a taxa de juros anual (efetiva), mesmo sendo superior ao duodécuplo da taxa mensal (nominal), até mesmo porque diversos consumidores pleiteavam a limitação dos juros ao patamar indicado para a taxa mensal (nominal). No entanto, isso não possui qualquer relação com a admissibilidade da cobrança de juros capitalizados em periodicidade inferior à anual, que foram nela mencionados justamente para reforçar a primeira (i) tese, no sentido de que a sua cobrança deve vir de forma expressa e clara, isto é, gramaticalmente escrita.

Ocorre que, ao partir de premissas equivocadas e misturar ambas as teses como se fossem uma só, os tribunais pátrios vêm considerando como expressamente pactuada a capitalização mensal de juros pelo simples fato de a taxa anual (efetiva) de juros ser maior que o duodécuplo da taxa mensal (nominal) de juros prevista no contrato.

No entanto, o fato de a taxa efetiva anual de juros ser superior ao duodécuplo da mensal diz respeito ao processo de formação da taxa de juros pelo “método composto” e ligado, portanto, aos termos “taxa de juros compostos” ou “taxa capitalizada”, que são conceitos abstratos de matemática e que não se confundem com “capitalização mensal de juros” ou capitalização de juros em qualquer periodicidade. Esta, a capitalização de juros, pressupõe a existência de juros vencidos e não pagos, de modo que, em tese e de acordo com a linha doutrinária da matemática financeira adotada no v. acórdão do REsp Repetitivo nº 973.827/RS, não se pode falar em capitalização de juros em momento prévio ao início do contrato, pois é impossível existir juros vencidos e não pagos já no momento da contratação.

Tais lições são facilmente extraídas da holding (norma jurídica extraída do precedente) e da ratio decidendi (motivos determinantes) do próprio acórdão do REsp Repetitivo nº 973.827/RS, que se encontram tanto na ementa como na fundamentação do julgado, senão veja-se:

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO.

  1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros.
  2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de “taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”, métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933.

[…].

  1. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido. (g.n.)

 

Do voto vencedor da Exma. Ministra Maria Isabel Galotti – cuja leitura na íntegra é de extrema importância para o correto entendimento da matéria -, extrai-se que: “Não tenho dúvida alguma em aderir às premissas tão bem expostas pelo relator, amparado na doutrina de Cláudia Lima Marques, Rizzato Nunes e Paulo de Tarso Sanseverino, acerca da absoluta necessidade de que o contrato bancário seja transparente, claro, redigido de forma que o consumidor, leigo, vulnerável não apenas economicamente, mas sobretudo sem experiência e conhecimento econômico, contábil, financeiro, entenda, sem esforço ou dificuldade alguma, o conteúdo, o valor e a extensão das obrigações assumidas. A pactuação de capitalização de juros deve ser expressa. A taxa de juros deve estar claramente definida no contrato. A periodicidade da capitalização também. Sobretudo, não deve pairar dúvida alguma acerca do valor da dívida, dos prazos para pagamento e dos encargos respectivos. […]

Para expor meu entendimento sobre a questão, começo por extrair do sistema jurídico pátrio – mediante a análise não apenas da literalidade das leis, mas sobretudo da respectiva interpretação consolidada pela jurisprudência deste Tribunal – o conceito jurídico do que seja a capitalização de juros vedada em intervalo inferior ao anual pela Lei de Usura e, atualmente, admitida pela MP 2.170-36, desde que expressamente pactuada. […] 

Cumpre, portanto, definir o conceito de capitalização de juros no sistema jurídico brasileiro.

O texto legal a ser tomado como ponto de partida para a análise do significado de ‘capitalização’, em nosso sistema jurídico, é o Decreto 22.626⁄33, o qual assim dispõe:

‘Art 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em  quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1.062)’.

‘Art 4º. É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.’

 O Decreto 22.626⁄33, também conhecido como “Lei de Usura”, estabeleceu, portanto, duas restrições à liberdade pactuar de taxa de juros: no art. 1º limitou o percentual ao máximo de 12% ao ano (dobro da taxa legal prevista no Código de 1916) e, no art. 4º, proibiu a contagem de “juros dos juros”, salvo a “acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano”. […]

A segunda ordem de restrição, contida no art. 4º (proibição da “contagem de juros dos juros, salvo a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano”), é a base legal da Súmula 121 do STF, segundo a qual “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente pactuada”. Esta restrição, até março do ano 2.000, aplicava-se, na linha da pacífica jurisprudência, também às instituições financeiras, salvo permissão legal prevista em legislação especial, como ocorre com as cédulas de crédito rural, industrial, comercial (Súmula 93⁄STJ). A partir da entrada em vigor da MP 1.963⁄00 (atual MP 2.170⁄01), passou a ser legalmente admitida a pactuação expressa da capitalização de juros em intervalo inferior ao anual.[…]

 O voto do Ministro Luís Felipe Salomão, valendo-se da doutrina de Roberto Arruda de Souza Lima e Adolfo Mamoru Nishiyama, define juros capitalizados como “juros devidos e já vencidos que, periodicamente (v.g., mensal, semestral ou anualmente), se incorporam ao valor principal (in Contratos Bancários – Aspectos Jurídicos e Técnicos da Matemática Financeira para Advogados, Editora Atlas S⁄A, São Paulo: 2007, p. 36).

De todas essas definições, extrai-se que a noção jurídica de “capitalização”, de “anatocismo”, de “juros capitalizados”, de “juros compostos”, de juros acumulados, tratados como sinônimos, está ligada à circunstância de serem os juros vencidos e, portanto, devidos, que se incorporam periodicamente ao capital; vale dizer, não é conceito matemático abstrato, divorciado do decurso do tempo contratado para adimplemento da obrigação. O pressuposto da capitalização é que, vencido o período ajustado (mensal, semestral, anual), os juros não pagos sejam incorporados ao capital e sobre eles passem a incidir novos juros.

Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de “taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”. Dizem respeito ao processo matemático de formação da taxa de juros cobrada. Com o uso desses métodos calcula-se a equivalência das taxas de juros no tempo (taxas equivalentes). Quando a taxa é apresentada em uma unidade de tempo diferente da unidade do período de capitalização diz-se que a taxa é nominal; quando a unidade de tempo coincide com a unidade do período de capitalização a taxa é a efetiva. Por exemplo, uma taxa nominal 12% ao ano, sendo a capitalização dos juros feita mensalmente. Neste caso, a taxa efetiva é de 1% ao mês, o que é equivalente a uma taxa efetiva de 12,68% ao ano. Se a taxa for de 12% ao ano, com capitalização apenas anual, a taxa de 12% será a taxa efetiva anual. […]

Em síntese, o processo composto de formação da taxa de juros é método abstrato de matemática financeira, utilizado para a própria formação da taxa de juros a ser contratada, e, portanto, prévio ao início de cumprimento das obrigações contratuais. […] Por ser método científico, neutro, abstrato, de matemática financeira, não é afetado pela circunstância, inerente à cada relação contratual, de haver ou não o pagamento tempestivo dos juros vencidos. […]

Por outro lado, ao conceito de juros capitalizados (devidos e vencidos), juros compostos (devidos e vencidos), capitalização ou anatocismo é inerente a incorporação ao capital dos juros vencidos e não pagos, fazendo sobre eles incidir novos juros. Não se trata, aqui, de método de matemática financeira, abstrato, prévio ao início da vigência da relação contratual, mas de vicissitude intrínseca à concreta evolução da relação contratual. Conforme forem vencendo os juros, haverá pagamento (aqui não ocorrerá capitalização); incorporação ao capital ou ao saldo devedor (capitalização) ou cômputo dos juros vencidos e não pagos em separado, a fim de evitar a capitalização vedada em lei. […]

A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica, portanto, capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto.  […]

Assim, embora o método composto de formação da taxa de juros seja comumente designado, em textos jurídicos e matemáticos, como “juros compostos”, empregada esta expressão também como sinônimo de “capitalização”, “juros capitalizados” e “anatocismo”, ao jurista, na construção do direito civil, cabe definir a acepção em que o termo é usado na legislação, a fim de que os preceitos legais e respectivas interpretações jurisprudenciais não entrem em contradição, tornando incoerente o sistema.

Tomando por base essas premissas, concluo que o Decreto 22.626⁄33 não proíbe a técnica de formação de taxa de juros compostos (taxas capitalizadas), a qual, repito, não se confunde com capitalização de juros em sentido estrito (incorporação de juros devidos e vencidos ao capital, para efeito de incidência de novos juros, prática vedada pelo art. 4º do citado Decreto, conhecida como capitalização ou anatocismo). […]

Por outro lado, se constasse do contrato em exame, além do valor das prestações, da taxa mensal e da taxa anual efetiva, também cláusula estabelecendo “os juros vencidos e devidos serão capitalizados mensalmente”, ou “fica pactuada a capitalização mensal de juros”, por exemplo […].

Não se cogita de capitalização, na acepção legal, diante da mera fórmula matemática de cálculo dos juros. Igualmente, não haverá capitalização ilegal, se todas as prestações forem pagas no vencimento. Neste caso, poderá haver taxa de juros exorbitante, abusiva, calculada pelo método simples ou composto, passível de revisão pelo Poder Judiciário, mas não capitalização de juros”.

Com efeito, acredita-se que, justamente para extirpar do mundo jurídico a confusão relacionada às duas teses do REsp Repetitivo nº 973.827/RS, em 10/06/2015, o STJ consolidou-as por meio das Súmulas 539 e 541, porém, tomando o cuidado para dessa vez retirar da segunda tese (Súmula 541) qualquer alusão à “capitalização de juros”, senão veja-se:

Súmula 539: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000

(MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.

Súmula 541: A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.

Não bastasse isso, em 08/02/2017, ao julgar o REsp Repetitivo nº 1.388.972/SC[2], o Eg. STJ consolidou o entendimento de que, não apenas a capitalização mensal de juros, mas a capitalização de juros em qualquer periodicidade deve vir expressamente pactuada no contrato para que sua incidência seja permitida, in verbis: “A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação”.

Ao se manifestar sobre o que havia sido efetivamente decidido no REsp Repetitivo nº 973.827⁄RS, o Exmo. Min. Marco Buzzi, Relator do v. acórdão do REsp Repetitivo nº 1.388.972/SC, fez a seguinte observação, que cai como uma luva ao presente caso: “’[…] a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada’. Neste precedente não houve qualquer deliberação no sentido de que o encargo poderia ser cobrado independentemente de pactuação clara e expressa”. Como se pode perceber, o próprio STJ, ao julgar o REsp Repetitivo nº 1.388.972/SC, reiterou o entendimento de que a tese do duodécuplo não é suficiente para autorizar a cobrança de juros capitalizados, mas tão somente a cobrança da taxa anual (efetiva) de juros prevista no contrato.

De fato, não há uma linha sequer no v. acórdão do REsp Repetitivo nº 973.827⁄RS, no sentido de que a capitalização mensal estaria expressamente pactuada porque os juros anuais (taxa efetiva) são maiores que o duodécuplo dos juros mensais (taxa nominal).

Além disso, a definição do que seja “expressamente pactuado”, ou “expressa e clara pactuação”, jamais poderia ter como pressuposto a realização de qualquer tipo de cálculo, por mais simples que seja, para considerá-la como “expressa”, pois neste caso os tribunais pátrios estariam admitindo a pactuação “implícita” da capitalização de juros, o que certamente não foi o objetivo do STJ em nenhum dos julgados e Súmulas citados. Se assim fosse, certamente teria sido firmada a tese de que se admite a pactuação “implícita”, pois por “expressamente pactuado”, na língua portuguesa, somente se pode entender como aquilo que está escrito gramaticalmente.

Não se olvida, contudo, que, ao consignar que a capitalização de juros pressupõe a existência de juros vencidos e não pagos, a tese do REsp Repetitivo nº 973.827⁄RS vai de encontro à pelo menos outras 3 teses firmadas pelo STJ, sob a sistemática dos Recursos Repetitivos, que também trataram da capitalização de juros em contratos bancários, quais sejam, os Recursos Especiais Repetitivos ns. 1.061.530/RS[3], 1.070.297/PR[4] e 1.124.552/RS[5].

O primeiro (1.061.530/RS) porque firmou, sob a nomenclatura de “Orientação 2, ‘a’”, a tese de que “O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora”. Contudo, como visto pela tese firmada no REsp Repetitivo nº 973.827⁄RS, se a capitalização de juros pressupõe juros vencidos e não pagos, o mutuário logicamente estaria impossibilitado de comprovar que o banco cobrou juros capitalizados no período da normalidade.

Os segundo e terceiro (1.070.297/PR e 1.124.552/RS) porque firmaram a tese de que, em suma, por ser matéria de fato, não cabe ao STJ aferir, em concreto ou abstrato, se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, de modo que é necessária a produção de prova pericial para tanto. Ocorre que, a Tabela Price é utilizada em momento prévio ao início do contrato, a fim de que o valor base da prestação permaneça constante para todo o período contratado. Logo, se verifica que também seria impossível, à luz da tese firmada no REsp Repetitivo nº 973.827⁄RS, que a Tabela Price contenha juros capitalizados em sua fórmula.

Tais incongruências dão ensejo à duas hipóteses: 1ª) há realmente uma contradição entre o acórdão do REsp nº 973.827⁄RS e os dos REsp´s ns. 1.061.530/RS, 1.070.297/PR e 1.124.552/RS, no que diz respeito ao significado de capitalização de juros; ou 2ª) os REsp´s ns. 1.061.530/RS, 1.070.297/PR e 1.124.552/RS pretenderam analisar legalidade do processo de formação de juros do contrato pelo “método composto” ou a incidência da “taxa de juros compostos”, de modo que o termo “capitalização de juros” estaria sendo utilizado equivocadamente como sinônimo daquele método de formação da taxa de juros, tal como alertou a Minª. Maria Isabel Gallotti, por mais de uma vez, em seu voto vencedor proferido no REsp nº 973.827⁄RS.

Por uma questão de coerência do direito, que também é um dever ínsito aos juízes e tribunais para com suas próprias decisões – dever que hoje encontra-se expressamente positivado no art. 926 do CPC/15 -, acredita-se que a segunda hipótese é a que melhor se amolda ao caso. Até mesmo porque, do contrário, estar-se-ia propiciando uma situação paradoxal na jurisprudência do STJ, uma vez que, ao mesmo tempo em que se reconhece que os “juros capitalizados” só existem quando há juros vencidos – i.e. no período de inadimplência – (REsp nº 973.827⁄RS), considera-se os “juros capitalizados” como um dos dois únicos encargos do período da normalidade – ao lado dos juros remuneratórios – (REsp nº 1.061.530/RS), cuja aferição da ilegalidade na cobrança é capaz de ensejar a descaracterização da mora e a obtenção de liminares em ações revisionais.

Com efeito, o voto proferido pelo Min. Raul Araújo ao acompanhar o voto da Minª. Maria Isabel Gallotti no REsp nº 973.827⁄RS corrobora a opção pela segunda hipótese ao admitir o equívoco recorrente na utilização, como sinônimos, dos termos “taxa de juros compostos” e “capitalização de juros”, senão veja-se: “Sr. Presidente, no caso, noto que o próprio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, examinando o contrato, considerou suficiente a menção às taxas, porque diz: ‘O exame do contrato mostra que foram pactuados juros de 3,16% a.m. e de 45,25664% a.a., o que demonstra a prática de cobrança de juros sobre juros mensalmente.’

Quer dizer, o Tribunal também entendeu que não há dificuldade alguma em, fazendo-se o comparativo entre taxa mensal e taxa anual, constatar-se a existência de juros compostos.

Agora, o que esse voto denso, técnico, científico da Sra. Ministra Isabel Gallotti traz de fundamental é que nos convida a encerrarmos o erro definitivo que cometemos, que é um erro conceitual, de denominar de capitalização o que não é; o que é, na verdade, apenas juros compostos.

Os juros compostos estão previstos em todos os contratos bancários, sabemos. E o que é capitalização, que sempre tratamos como se fosse o mesmo que juros compostos? Capitalização é: ‘Em face da ausência de pagamento, a incidência de novos juros, juros novos, sobre aqueles juros já computados em razão da pactuação dos juros compostos.’ Isso é que é capitalização, cientificamente, um conceito primoroso que nos traz, amparada em doutrina fundamental, a eminente Ministra Isabel Gallotti’.”

Ressalta-se que, este breve estudo não tem a pretensão de esgotar o tema referente à capitalização de juros e, muito menos, de adentrar nas controvérsias doutrinárias da matemática financeira no que se refere aos conceitos e pressupostos da capitalização de juros em contraposição ao processo de formação de juros pelo método composto (ou “taxa de juros compostos”), até mesmo porque, como ressaltou o Min. Luis Felipe Salomão em seus votos proferidos nos REsp´s ns. 1.070.297/PR e 1.124.552/RS, “não pode o STJ chegar a esta ou àquela conclusão mediante análise de fórmulas matemáticas – em relação às quais sequer os matemáticos chegam a um consenso […]”.

O que se pretendeu demonstrar com este breve estudo é que, de acordo com a holding e a ratio decidendi extraída dos acórdãos dos REsp´s Repetitivos ns. 973.827⁄RS e 1.388.972/SC e as Súmulas 539 e 541 do STJ, a capitalização mensal – ou em qualquer periodicidade – de juros deve estar prevista de forma clara e expressamente pactuada, isto é, escrita gramaticalmente no contrato e, especificamente, em cláusula que trate dos encargos da inadimplência, não sendo suficiente a simples circunstância de o percentual da taxa de juros anual (efetiva) ser superior a doze vezes o percentual da taxa de juros mensal (nominal), o que se convencionou chamar de “tese do duodécuplo”.

Para que seja admitida a cobrança de juros capitalizados, conforme exposto na fundamentação do acórdão do REsp 973.827⁄RS, o contrato deve prever “além do valor das prestações, da taxa mensal e da taxa anual efetiva, também cláusula estabelecendo ‘os juros vencidos e devidos serão capitalizados mensalmente, ou ‘fica pactuada a capitalização mensal de juros’, por exemplo […]”. Trata-se de entendimento que homenageia a boa-fé e o direito de informação do consumidor (arts. 6º, III, 46 e 54, § 3º do CDC), o art. 47 do CDC, no sentido de que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, bem como o art. 423 do CC, segundo o qual, “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.

A necessidade premente de se observar a correta interpretação do acórdão do REsp 973.827⁄RS e o real significado das Súmulas 539 e 541 do STJ repousa especialmente no fato de que, a aplicação da “tese do duodécuplo” para permitir a capitalização mensal de juros em contratos sem previsão expressa para tanto, tem causado enormes prejuízos aos mutuários de todo o país, sejam pessoas físicas ou jurídicas, com reflexos para toda sociedade (fechamento de empresas, desemprego, etc…), ao passo que o lucro das instituições financeiras vem crescendo cada vez mais, justamente no período da mais grave crise econômica pela qual o país vem atravessando.

Basta observar que, a grande maioria dos contratos bancários possui cláusula de vencimento antecipado em caso de inadimplemento do mutuário. Inadimplemento este que, comumente perdura durante todo o trâmite da ação revisional, permitindo que o montante da dívida alcance patamares estratosféricos, principalmente em decorrência da incidência indevida de capitalização mensal de juros (juros sobre juros vencidos), que acarreta na conhecida dívida “bola de neve”. Esse cenário se agrava ainda mais em razão da notória demora da entrega da prestação jurisdicional que, sabidamente, não é imputável aos magistrados e servidores do Judiciário, cujo esforço praticamente hercúleo para julgar mais processos do que recebem, infelizmente não vem sendo suficiente para vencer a pletora de novos processos ajuizados dia após dia.

Em conclusão, nos casos cujos contratos bancários prevejam a taxa de juros anual superior ao duodécuplo da taxa de juros mensal, porém, sem expressa pactuação de capitalização mensal – ou em qualquer periodicidade – de juros, cabe ao advogado a tarefa de expor e buscar perante juízes e tribunais a correta aplicação dos precedentes dos REsp´s Repetitivos ns. 973.827⁄RS e 1.388.972/SC e das Súmulas 539 e 541 do STJ, de modo que se faça o “cômputo dos juros vencidos e não pagos em separado, a fim de evitar a capitalização […]”, nos termos da fundamentação do acórdão do REsp nº 973.827⁄RS.

[1] STJ, REsp 973.827/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012.

[2] STJ, REsp nº 1.388.972/SC, Rel. Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 08/02/2017, DJe 13/03/2017.

[3] STJ, REsp 1061530/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009.

[4] REsp 1070297/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 09/09/2009, DJe 18/09/2009.

[5]REsp 1124552/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 03/12/2014, DJe 02/02/2015.

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